quarta-feira, outubro 21, 2009

Mendigo



Lá de longe eu vejo
O mendigo e sua incerteza
Seu olhar já sem clareza

Cá de perto eu vejo
O mendigo e seu maltrapilho
Sua marmita já sem brilho

Cá entre nós eu espero
Jamais me ver sem abrigo
A mendigar como o mendigo.

terça-feira, outubro 20, 2009

A companheira

Não é minha, mas gostaria muito de ter escrito:

A companheira - Luiz Tatit

Eu ia saindo, ela estava ali
No portão da frente
Ia até o bar, ela quis ir junto
"tudo bem", eu disse
Ela ficou super contente
Falava bastante,
O que não faltava era assunto
Sempre ao meu lado,
Não se afastava um segundo
Uma companheira que ia a fundo

Onde eu ia, ela ia
Onde olhava, ela estava
Quando eu ria, ela ria
Não falhava

No dia seguinte ela estava ali
No portão da frente
Ia trabalhar, ela quis ir junto
Avisei que lá o pessoal era muito exigente
Ela nem se abalou
"o que eu não souber eu pergunto"
E lançou na hora mais um argumento profundo
Que iria comigo até o fim do mundo

Me esperava no portão
Me encontrava, dava a mão
Me chateava, sim ou não?
Não

De repente a vida ganhou sentido
Companheira assim nunca tinha tido
O que fica sempre é uma coisa estranha
É companheira que não acompanha

Isso pra mim é felicidade
Achar alguém assim na cidade
Como uma letra pra melodia
Fica do lado, faz companhia

Pensava nisso quando ela ali
No portão da frente
Me viu pensando, quis pensar junto
"pensar é um ato tão particular do indivíduo"
E ela, na hora "particular, é? duvido"
E como de fato eu não tinha lá muita certeza
Entrei na dela, senti firmeza

Eu pensava até um ponto
Ela entrava sem confronto
Eu fazia o contraponto
E pronto

Pensar assim virou uma arte
Uma canção feita em parceria
Primeira parte, segunda parte
Volta o refrão e acabou a teoria

Pensamos muito por toda a tarde
Eu começava, ela prosseguia
Chegamos mesmo, modesta à parte
A uma pequena filosofia

Foi nessa noite que bem ali
No portão da frente
Eu fiquei triste, ela ficou junto
E a melancolia foi tomando conta da gente
Desintegrados, éramos nada em conjunto
Quem nos olhava só via dois vagabundos
Andando assim meio moribundos

Eu tombava numa esquina
Ela caía por cima
Um coitado e uma dama
Dois na lama

Mas durou pouco, foi só uma noite
E felizmente
Eu sarei logo, ela sarou junto
E a euforia bateu em cheio na gente
Sentíamos ter toda felicidade do mundo
Olhava a cidade e achava a coisa mais linda
E ela achava mais linda ainda

Eu fazia uma poesia
Ela lia, declamava
Qualquer coisa que eu escrevia
Ela amava

Isso também durou só um dia
Chegou a noite acabou a alegria
Voltou a fria realidade
Aquela coisa bem na metade

Mas nunca a metade foi tão inteira
Uma medida que se supera
Metade ela era companheira
Outra metade, era eu que era

Nunca a metade foi tão inteira
Uma medida que se supera
Metade ela era companheira
Outra metade, era eu que era

quinta-feira, outubro 15, 2009

Para ti, Madrid

Y como construir un sueño exacto
De planos acabados tan perfectos
Cada dia queriendo ser ciego
Parar el espacio y el tiempo

Hasta cuando va secar
Los huesos por llorar
Las risas por amargar
Una vida muerta sin que se puede estar

quarta-feira, outubro 07, 2009

Verde Esmeralda

E agora como eu passo
Sem o seu brilho verde
Esmeralda
Pequena no tamanho
Gigante na doçura
Esmeralda
Que de tanto amar
Dormindo foi encontrar
Com sua outra metade verde
No céu a estrelar

Janeiro

Certos dias estranhos
Dias que não acabam quando a noite finda
Fazem voltar sentimentos antigos

Certos dias sem textura, sem cheiro e sem cor
Servem apenas para acreditar na esperança
Que dias melhores virão

terça-feira, outubro 06, 2009

Bar Sete de Paus

Em um baralho havia um rei, mas ele não era um rei qualquer, era o Rei de Ouro.
E como qualquer Rei de Ouro que se preze, governava todo o seu baralho ao lado da Rainha de Copas.
Todo o baralho vivia feliz com o casal real e a cada jogada vencida, o Rei de Ouro reforçava seu poder frente a todos os seus súditos. A Rainha de Copas, embora famosa pela mão de ferro, guardava dentro de si um grande segredo.
Um dos seus súditos, um mero serviçal da mesa de jogo, causava-lhe uma grande afeição e com ele desejava um dia, deitar-se no veludo verde em meio à um Royal Flush jamais visto antes, onde ao invés do monótono Rei de Ouro, estaria seu querido Sete de Paus.
Ao fim de uma jogada em que a Rainha não estava na sua melhor sorte, durante um embaralho, encontrou-se frente a frente com o amado Sete de Paus. Num relapso, na entrega de cartas, caiu na mesma mão que o serviçal, longe da vista do Rei, onde juntos, puderam se amar pela primeira vez.
O Valete de Espadas, amigo leal do Rei, viu tudo de uma mão próxima e, assim que se reuniu com seu líder, tratou de contar tudo.
O Rei, enfurecido, rasgou o Sete de Paus e expulsou sua Rainha de Copas do baralho.
Abandonada sem rumo, decidiu fugir até o Brasil no conturbado ano de 1968, onde foi acolhida por um novo baralho. As cartas pertenciam a um grupo alegre, pronto para lutar por seus ideais de liberdade, ideais esses, similares aos da Rainha, que esqueceu seu passado e jamais o revelou às outras cartas.
Em meio a milhares de jogadas, a Rainha conheceu muitas das pessoas que fizeram a história da música brasileira com o movimento da Tropicália. Abraçando a ideologia do grupo, a Rainha tornou-se uma libertina, viveu muitos romances, mas nunca mais teve um grande amor.
Em 2006, decidiu abrir seu coração e inaugurou o bar que traz em seu nome uma homenagem ao seu inesquecível amado Sete de Paus.

Já vi nesses 28 anos

O Cristo de perto.
O avião chocar o sonho americano.
A empregada engravidar do meu pai.
A casa rosada e seus guardas engraçados.
O malucão do 174 na telona.
O papa beijoqueiro morto na capa da revista.
Minha vó morrer com o carnaval.
A eleição de um analfabeto.
Reduzirem o estômago da minha mãe.
O rei preto do pop morrer branco.
O castelo do Mickey em forma de bolo.
O senado em festa.
A rainha do pop ficar velha.
Lair Ribeiro pregar.
O sonho americano renascer preto.
Meu primo achar que é Jesus.
Uma gripe alastrar.

[continua]

Poema para o carnaval de Salvador

Antônio Frederico abandonara Ilhéus, sua cidade natal, para viver em Salvador e dedicar-se à faculdade.
Ilhéus se distinguia como uma cidade rica e seus moradores possuíam uma visão progressista, entre todos os municípios habitualmente pobres e atrasados do interior da Bahia.
A cidade era bela, com avenidas largas de jardins floridos e a maioria das casas pertencia a coronéis que as transformavam em verdadeiros palácios mobiliados com luxo e soberba.
Derico, apelidado desde a infância, estava envolvido demais com os estudos do Direito para se dar conta dos mistérios que Salvador lhe guardava.
O rapaz de vinte e quatro anos era fã de música e literatura e desde pequeno ouvia atento as história de sua mãe sobre a origem de seu nome, uma homenagem ao poeta Castro Alves.
Dentre todos os charmosos lugares de Salvador, Derico carregava uma paixão pela Praça Castro Alves, lugar que costumava frequentar todos os dias. Fica ali por horas e horas estudando, admirando a paisagem ou simplesmente acompanhando o passar das pessoas com o coração apertado de saudade de sua mãe e das histórias sobre o poeta que ele já não ouvia mais.
Ele aprendera que na época de carnaval, a praça verdadeiramente era do povo, mas Derico não se importava. Como uma espécie de batalha ciumenta, continuava a frequentar a praça e muitas vezes se colocava à frente da multidão, importando-se mais com a praça, do que com o carnaval.
Derico não se entusiasmava nem com um grupo de mulatas cor de canela que se requebravam voluptuosamente em sua frente com os seios quase à mostra.
- Eugênia, venha depressa, você vai acabar se perdendo!
Linda e deslumbrante. Estatura mediana, muito bem fornida de carnes, os ombros escondidos pela longa cabeleira dourada. Blusa branca de malha, simples e discreta, deixando marcar os seios intocados. Calça jeans colada, valorizando as coxas fartas. Que volumes! Os pés delicados e macios chegavam a pedir licença para pisar na praça.
Derico a olhara em uma fração de segundos, um tempo imenso, uma eternidade.
Lembrara das histórias de sua mãe e uma convicção de estar diante da mulher da sua vida o fez segurá-la.
Foram dançar e a dança que os juntava fazia-o desfalecer. Eugênia possuía um olhar penetrante, um charme misterioso. Beijou-a muito. Abraçou-a muito. E notou que todos se beijavam e se abraçavam muito. Era carnaval, época dos instintos, época de pele, carne e volúpia.
- Me encontre aqui amanhã ao final da tarde. Esperarei por você.
Ainda embevecido, Derico não conseguiu desvencilhar seu olhar de Eugênia, que aos poucos sumia, restando apenas a multidão a comemorar.
Todos os dias, como de costume, Derico volta à Praça Castro Alves. Agora, com a esperança de avistar sua Eugênia se aproximando. De onde ela virá? Das igrejas? Dos barcos no cais? Do mercado? Dos batuques do candomblé? Da multidão do carnaval?
Derico deveria saber que em se tratando de Salvador, ninguém jamais deve tentar decifrar os segredos da cidade. Seus mistérios e lendas são envolvidos pelo corpo, alma e coração dos baianos.

Mar

Um sonho é olhar
Para as águas
Limpar a alma
Manter a calma
Pensar no sábado
Caminhar molhado
Seguir em paz

Um sonho é escutar
Toda essa água
Sentir o cheiro
Estar por inteiro
Pensar como é linda
Essa praia que finda
Quero sempre mais