quarta-feira, janeiro 25, 2012

458 anos de São Paulo

São Paulo enlouquece, mas dá saudade.
Não sei se um dia eu volto, mas com certeza sempre respeitarei esta cidade.
Na dúvida entre o que postar para fazer uma homenagem, posto as duas coisas: um poema que diz quase tudo e uma música, que completa o que falta no poema.

SÃO PAULO
Haroldo de Campos

1.
feiúra (falam em)
para definir esta
cidade

fealdade
bruteza
de pedra
selvagem

não beleza pura
não belezura de
paisagem
(é o que falam)

gume de granito
de pedra
bruta
contra a natura
não formosura
de natureza
pura
no azul a pino
no pleno sol
ao mar que ondula

feiúme de solda
metálica e
betume
não deslumbre
de água-marinha
de afogueado topázio e
múrmura turmalina

2.
mas eu
paulista paulistano
confesso que amo
essa fereza e digo:
beleza impura
terrível de “bela-
-dama-sem-mercê”
perversa aspereza
de água-tofana e baudelaire
de corrosão e azedume
de couro cru e fecho-ecler
da qual (como de uma
mulher de coração minado)
tenho gana e ciúme

tigresa encarcerada
ou leoparda ou
leonesa
presa em jaula
esquálida
de armado esqueleto
fechado no armário
hermético
do concreto

3.
sob topos risca-céus
de elétricas antenas
agora
à luz de lua lampadófora
que pinga no olho furta-
cor dos semáforos de rua
e coa-se no neon noctâmbulo
entressonâmbula
sonhando com o
mirante sem miragem de um (fanado)
trianon trivializado
(no outro lado do paul
fantasmal de lêmures
sonados
além das pistas
da avenida paulista
num falso templo
de uma (talvez) diana
flechadora
dríades sem estâmina
anoréxicas
fazem dieta
de uma garoa
que não há)

4.
enquanto
de lugares absolutos
debaixo dos viadutos
transeuntes exsurtos das
cor de urina
vesperais latrinas
das sentinas dissolutas
caminham

5.
esta cidade
sem (é o que falam)
beleza de paisagem
com seus rios sem ninfas
que correm de costas para o mar não-mar
e naufragam num asfalto negro tinto

6.
esta cidade
esta dona pétrea
esta
de beleza ferina
executiva da saia cinza
me embebe até a medula
de uma dulceamara ternura
entre fera e bela
entre estrela e estela
esta
com sua graça petrina
multi-
vária multi-
tudinária
cidade
minha
que a vejo por um lado
de dentro por um
ângulo avesso
por um doce recesso
só visível a quem
percebe seu charme
de acerada pantera
à espreita no alarme
vermelho das
esquinas

7.
beleza (confesso) que me
enruste
beleza antiproust
sem
memória do passado
sem olhar parado sem
anamnese ou madeleine
im–passiva
des–mêmore
im–plosiva
no tenso (que
cultiva) dilema u-
tópico no paradoxo
absurdo de uma
(porventura)
memória do futuro

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