sexta-feira, outubro 08, 2010

Amar São Paulo

E aí que eu estou com saudade de São Paulo.
Tá, não é bem de São Paulo, mas da mentalidade dos moradores de São Paulo.
Em São Paulo você não fica na inércia.
Sabe por quê? Porque não dá tempo.

Uma vez em São Paulo, ou você se adapta ao tempo que as coisas acontecem ou cai fora.
Ou você se apressa e dá conta do recado, ou dão conta por você. Assim, rapidinho.
E uma pessoa que não aceita trabalhar até depois do horário em troca de pizza, definitivamente não vai durar muito tempo em São Paulo.
Pelo simples fato de que nesta terra, aceitar trabalhar até depois do horário é lei. Já virou praxe.
E quem não aceita essa condição é o esquisito, o mal visto, o arrogante que se considera superior aos outros funcionários, que não só aceitam, como trabalham numa boa gratuitamente, inclusive até se divertindo.

São Paulo é uma cidade muito louca.
E para sobreviver nessa loucura, você tem que estar na pegada de um ensandecido.
Você tem que estar disposto a participar de reuniões imensas e cretinas para discutir o nada, você tem que engolir asnos na equipe sem nem questionar o motivo de estarem ali.
Resumindo, em uma comparação bem idiota: você tem que mergulhar no rio e nadar na correnteza, de preferência com braçadas rápidas e longas.
Nada de escapulir em uma pedrinha aqui, para pensar se está no caminho certo, nem tentar avistar um barquinho lá, para adquirir novos horizontes.

Eu não aguentei o tranco.
Pode ser que um dia aguente ou pode ser que eu realmente não tenha nascido para aguentar.
O fato é que sair de São Paulo foi a opção que eu escolhi.
Mas isso não significa que eu não ame essa cidade paranoica que, dentre outras coisas, nos oferece Carlos Drummond de Andrade assim, escancarado em uma placa de mais de 10 metros, despercebida, ali, entre a multidão apressada em uma estação de metrô.



AMAR

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

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